Na capital mineira, estrangeiros reiniciam suas vidas após catástrofe de três anos atrás no Caribe

20 de novembro de 2013
A porta principal de entrada é pelo Acre, mais precisamente na pequena cidade da Brasiléia. Porém, a imigração maciça de haitianos para o Brasil desde 2010 – ano do terremoto que devastou a capital Porto Príncipe, deixando mais de 200 mil vítimas – já atinge várias partes do país. Em Minas Gerais, a situação não foge ao padrão. Muitos destes estrangeiros escolhem Belo Horizonte, ou regiões da Zona da Mata e do Triângulo Mineiro, à procura de emprego e melhores condições de vida. Só no início do ano, entre janeiro e março, três mil haitianos entraram no Brasil.
Esse panorama favorece empresas e instituições na hora de contratar mão de obra, como é o caso da construtora civil Escala, com sede em Contagem, na Região Metropolitana de BH. Para Lucas Magalhães, diretor de Recursos Humanos da corporação, dos seis haitianos que se juntaram à construtora nestes três anos para trabalhar apenas um não se adaptou e voltou para o Haiti. Todos vieram para trabalhar como serventes, pedreiros e até bombeiros.
“A principal dificuldade na hora da adaptação é com relação à linguagem e a qualidade do serviço, já que a construção civil no Haiti funciona de forma diferente do Brasil e a maioria deles nunca havia trabalhado com construção”, disse. Lucas acrescenta que houve um planejamento para a contratação dos haitianos e que considera este tipo de mão de obra semelhante à brasileira. “Tivemos acesso pela primeira vez aos haitianos através de uma igreja que nos encaminharam. Não tínhamos a intenção direta de contratar estrangeiros. Eles vieram por indicação e decidimos contratá-los”, completa.
Um deles foi o haitiano Mackenson Bienex, de 29 anos. Ele era professor de inglês e francês e cursava economia em seu país. Contratado pela Escala, Mackenson agora é eletricista e sonha com um futuro mais estável. “Aqui não faço as mesmas coisas que fazia no Haiti, mas pelo menos no Brasil tem saúde, educação e a insegurança é muito menor”, afirma.
Copa do mundo e oportunidades
O crescimento de postos de trabalho na área de construção civil, em virtude das obras para a Copa do Mundo de 2014, em BH, também foi um fator para o aumento da procurar do país por haitianos. A reforma no estádio Mineirão foi uma alternativa para 12 haitianos saírem da miséria. Este foi o caso de Jocelyn Dorsainvil, que trabalhava como jornalista em seu país natal e exerceu o cargo de operário durante as obras. “Chego aqui no Brasil para procurar uma vida que é muito legal pra mim. Deixei toda a minha família no Haiti, filhos, mãe e irmãos, mas foi por uma boa causa”, explica.
A construção civil é o segmento que mais emprega a mão de obra estrangeira na capital mineira. Além dos 12 haitianos que trabalharam nas obras de reforma do Estádio do Mineirão e o grupo de seis profissionais que atuam na Construtora Escala, a Urb Topo Engenharia, que também é de Minas Gerais, optou pela mão de obra haitiana no primeiro semestre de 2012. A empreiteira contratou, na época, 30 deles para trabalhar em uma obra da Votoratim, em Cuiabá (MT).
Porém, o choque de realidade entre a vida que os haitianos levavam em seu país e a que encontram no Brasil é motivo de atrito. O gerente comercial da Urb, Henrique Luiz Araújo Abreu, revelou que metade dos contratados não admitia trabalhar como operário. “Dos 30 haitianos que contratamos na época, 50% não se aproveitaram. Eles chegavam no canteiro de obra e recusavam o serviço para o qual foram contratados, diziam que eram engenheiros no Haiti”, conta.
Henrique informou que, a todos, foi oferecido o salário de mercado estabelecido em convenção pelos sindicatos e que eles recebiam cesta básica ou vale-alimentação, além de alojamento e o apoio de um tradutor, já que muitos não falavam português.
Um país devastado
No dia 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um terremoto de grau 7 na escala Richter. O abalo foi seguido de outros dois terremotos de escalas 5,9 e 5,5. A catástrofe deixou mais de 230 mil mortos, além de milhões de desabrigados e um prejuízo de US$8 bilhões, correspondentes a mais que o dobro do PIB (produto interno bruto) do país. O número de mortos no Haiti superou tragédias naturais como os tsunamis no Sudeste Asiático em 2004.
A capital Porto Príncipe foi a que mais sofreu com os tremores, onde concentra a maior parte da população. Um terremoto nesse grau tem enorme poder de destruição. Devido às condições sociais do Haiti a calamidade foi ainda maior. O país tem maioria da sua população abaixo da linha pobreza, e sofreu com guerras civis e instabilidade de governo durante anos. A escassez de recursos só se agravou, fazendo com que água potável fosse uma das maiores necessidades após os eventos.